quinta-feira, abril 07, 2011

Nevoeiro (com Madrigal)

Gosto quando pões a quinta porque me tocas na perna com o nó dos dedos”

Miguel Manso, in: «Madrigal»


O NEVOEIRO


O nevoeiro suspende-lhe a vida

como dois belos seios diante dos olhos,

humidade tão contrária à chuva,

aos dias em que se procura abrigo

ainda que seja numa mentira ou no passado.


Este branco que o impede de ver,

como se não fosse possível

morrer ou continuar vivo,

mais forte doa que a sua moral,

há-de atrasá-lo para o seu destino,


com a ideia de ser castigo

por ter dormido fora der casa.

Porque a hipocrisia é a única coisa

que persiste no nevoeiro.

Não há sequer as horas de prazer,


de entretenimento pelo menos foi,

e realmente vividas a noite passada

com a rapariga que gemia

com o se mentisse ou se a verdade

não fosse senão um episódico momento.


No nevoeiro há apenas que ter cuidado,

evitar que o carro vá à berma,

manter todas as luzes ligadas

e seguir devagar, esperando

que os outros façam o mesmo.


Paulo José Miranda

in: “O Tabaco de Deus”,

Edições Cotovia, Lisboa, 2002

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