“Gosto quando pões a quinta porque me tocas na perna com o nó dos dedos”
Miguel Manso, in: «Madrigal»
O NEVOEIRO
O nevoeiro suspende-lhe a vida
como dois belos seios diante dos olhos,
humidade tão contrária à chuva,
aos dias em que se procura abrigo
ainda que seja numa mentira ou no passado.
Este branco que o impede de ver,
como se não fosse possível
morrer ou continuar vivo,
mais forte doa que a sua moral,
há-de atrasá-lo para o seu destino,
com a ideia de ser castigo
por ter dormido fora der casa.
Porque a hipocrisia é a única coisa
que persiste no nevoeiro.
Não há sequer as horas de prazer,
de entretenimento pelo menos foi,
e realmente vividas a noite passada
com a rapariga que gemia
com o se mentisse ou se a verdade
não fosse senão um episódico momento.
No nevoeiro há apenas que ter cuidado,
evitar que o carro vá à berma,
manter todas as luzes ligadas
e seguir devagar, esperando
que os outros façam o mesmo.
Paulo José Miranda
in: “O Tabaco de Deus”,
Edições Cotovia, Lisboa, 2002
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